quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Maceió: Uma cidade violenta ou um povo violento?




Sou nascido e vivo toda a minha vida em Maceió, nunca morei em outra cidade e posso dizer que conheço muito bem o lugar em que eu vivo.

Maceió como cidade, simbolicamente falando, é uma cidade muito boa de viver, mesmo nos dias atuais eu dificilmente sairia daqui, pois é uma cidade média, de geografia plana, clima estável e o melhor, estamos a poucos quilômetros do paraíso, pois em Maceió em qualquer direção encontramos a mais bela face da natureza a poucos minutos do centro, sejam nossas praias urbanas ou nossa lagoa Mundaú e suas ilhas, de onde podemos ver um por do sol dos mais belos do Brasil.

Foto: Gustavo Dacal.


Viver em uma cidade como Maceió é um privilégio, porém, nos últimos tempos estamos carregando (com certa satisfação, ainda que disfarçada, por alguns) o título de “Cidade mais violenta do Brasil”, algo que vem tirando a paz de muitos e feito a alegria de poucos, sejam criminosos dispostos a lucrar na vida do crime ou ainda, políticos dispostos a lucrar politicamente com o suposto caos instalado, atribuindo a culpa dessa situação a grupos políticos rivais, estes que defendem uma cidade pacifica e que a violência não é assim tão grande quanto dizem.

Apenas quem não lucra com essa guerra de informações antagônicas é a sociedade em geral, tanto aquela, a maioria, que vive na periferia da cidade, sem infraestrutura urbana, sem lazer e transporte de qualidade, sem boas escolas, quanto à minoria que usufrui dos prazeres de viver em Maceió, em seus apartamentos com vista para o mar ou suas mansões em condomínios fechados, contando com todo aparato de segurança que os garanta viver isolados dos bandidos que povoam as ruas da cidade.

Se alguns ganham muito dinheiro com a violência, uns legitimamente, vendendo produtos e métodos que protejam quem pode pagar, outros lucram covardemente com o produto do crime e vendendo a ideia de que são eles a solução para se resolver este problema, os quais não são causadores.

Neste cenário, para entender o que se passa na nossa cidade, devemos fazer um exercício de memória e observação, precisamos conhecer os dois lados da cidade, a orla e sua concentração de renda e a periferia, onde pelo menos 80% dos Maceioenses vivem com muito pouco.

A periferia de Maceió como qualquer periferia brasileira, é um terreno ignorado, historicamente abandonado pelo poder público, lugar que só é lembrado em tempos de campanha política, pois aquele povo representa a grande maioria dos eleitores é a periferia que elege nossos representantes.

Na foto no topo do texto percebe-se a imagem de Maceió divulgada mundialmente e abaixo a imagem das famosas grotas de Maceió, ambiente caótico e violento, onde vive grande parte de nossa população. 

Pesquisa no Google imagens: grota maceió


Não é segredo nenhum que nossa população é ignorante, sendo o Maceioense médio um cidadão de pouco estudo, porém, a ignorância do nosso povo não só se restringe a quem não tem acesso à educação particular, pois a elite Alagoana é uma classe formada por grandes imbecis que se acham espertos.

A chamada opinião pública Alagoana costuma ter opiniões burras, limitadas, facilmente formadas a partir de bordões e ditos populares que nem sempre condizem com a realidade, mas se tornam verdades incontestáveis.

Nossa “elite” foi formada à base da violência, pois não é a toa que Alagoas é conhecida nacionalmente como terra de matador, pois nosso Estado foi forjado à base da peixeira e da bala.

Curioso notar que os dois primeiros presidentes brasileiros foram Alagoanos, militares que chegaram ao poder a base do sangue alheio, tivemos um primeiro presidente eleito pelo povo após mais de 20 anos de ditadura, sendo ele o primeiro que sofreu Impeachment em razão de corrupção, temos o atual presidente do Senado, um dos homens mais poderosos do Brasil, mas mesmo assim, Alagoas sempre foi um Estado pobre violento e desigual.

Em Alagoas ser amigo de político influente e violento é motivo de orgulho, vaidade, é status social, em Alagoas as histórias dos crimes políticos, de pistolagem do passado são contadas com satisfação por boa parte da população, incluindo pobres e principalmente ricos, amigos do poder.

Nas Alagoas muita gente entende que só se dá bem quem está pertinho do poder, e para se ter poder em Alagoas é necessário ser temido, e quanto mais temido e violento, mais essas pessoas são idolatradas.
Tudo isso, o retrato de Alagoas pode ser observado em sua capital, balneário dos que derramam sangue todos os dias, mesmo sem sujar as próprias, mãos, pois lembramos, aqui é a terra da pistolagem, do crime de mando.

Aqui em Alagoas bandido rico é homenageado, bandido pobre é linchado, vítima rica é tragédia, vítima pobre é estatística.

Tenho ouvido todos os dias pessoas se perguntando: Porque tanta violência em Maceió?
Escuto a tese dogmática de que “se fosse nos tempos do Coronel Amaral...” ouço discursos repetidos, como que combinados, que trazem a solução para todos os nossos problemas: “Extermina esses bandidos tudinho que o problema ta resolvido”, simples assim, resolvemos o problema da violência impondo mais violência.

Em Alagoas sempre se matou muito, mas as mortes aconteciam em razão de disputas de terra, política, brigas em bares e festas, e enquanto eram assim, a população aceitava e sentia-se segura, mas hoje, as mortes ocorrem diariamente em razão do tráfico de drogas nas periferias e nos latrocínios onde pessoas de bem e empresários são assassinados na zona nobre da cidade em troca de carros, bicicletas e algumas centenas de reais, ou muitas vezes, por bagatelas.

A antiga violência era glamourizada, quase que como um Western brasileiro, onde os heróis eram os  igualmente bandidos “Coronéis” e “Doutores” matadores de gente, mas, garantidores da paz social.
Nos dias de hoje, a violência passou a incomodar ao cidadão da classe média, pois agora o vilão vem do submundo das periferias, “gente selvagem e desumana que nos rouba e mata cidadãos de bem” e esses seres, segundo o pensamento dominante Maceioense, merecem ser exterminados.

Quase ninguém para e pensa de onde vieram esses bandidos: será que são membros de facções criminosas do eixo Rio São Paulo? Será que são frutos do péssimo trabalho do Governador do Estado? Será que esses bandidos são seres demoníacos que invadiram nossa cidade? As teorias são muitas, porém, rasas.

Esses bandidos são filhos da nossa cidade, da nossa cultura violenta e excludente, esses bandidos perigosos e que não tem nada a perder são filhos de mães solteiras, filhos das ruas, filhos do descaso, filhos da falta de educação e valores morais, filhos da ausência de cultura, filhos da falta de lazer de qualidade. São filhos e alunos de escolas fétidas e degradadas com professores que passam fome ou da escola da rua que ensina que eles nunca irão morar de frente pro mar e ter carrão off Road (mesmo que apenas para o asfalto) , eles são as crianças de ontem jogadas nas ruas que hoje são adultos que não tem nada a perder, essas pessoas são frutos de um consumismo exagerado e ostentação social em que os bens materiais e status social refletem a sua importância na sociedade Maceioense, agora esses seres revoltados querem pegar um pouco daquilo que na visão deles, na cultura das ruas, os foi tirado.

Não se interprete isso como justificativa para o crime, não entendo dessa forma, mas vejo como uma relação de causa e efeito que na cultura do criminoso alagoano, justifica e legitima sua conduta criminosa.

Em Alagoas a cultura é de que rico não vai preso, que fica impune, afinal, quantos homicídios sem solução nossa história contabiliza? Mesmo aqueles crimes em que a população sabia quem era o autor, esses permaneceram impunes, o que causou a sensação geral de que o crime compensa, pois os que se deram bem são bandidos, porém, ricos.

Todos os anos temos alguns crimes de repercussão, que pelo fato das vítimas serem pessoas reconhecidas como cidadão de bem geram um desconforto social, uma revolta, e que podemos perceber que o ciclo se renova, tendo aquele clamor inicial, com as tradicionais “caminhadas pela paz”, movimentos inúteis que servem apenas para acalantar o coração sofrido dos familiares das vítimas, porém, não surtem efeito prático algum, de forma que continuamos nossa escalada de mortes, muitas delas sem solução ou com soluções fabricadas para dar uma resposta aos opositores.

Uma das inúmeras "Caminhadas pela Paz". Google imagens.


O fato é que nosso estado, nossa cidade sempre foi violenta, isso faz parte da nossa cultura, infelizmente e agora, pelo fato de Maceió ter acelerado seu crescimento populacional, de forma desordenada e irresponsável, hoje a violência antes tímida, agora emergiu e ameaça engolir a todos.

Mesmo diante do marketing negativo de "Cidade mais violenta do Brasil" Maceió revive uma explosão do turismo, cada vez mais pessoas vem passar férias e alguns acabam ficando por aqui, criando um verdadeiro paradoxo, pois se fosse tão ruim, porque tanta gente quer vir para aqui?

Depois de tudo isso, alguém pode perguntar: Você continua gostando de morar em Maceió?

Sim, amo minha cidade e não troco ela por nada!

Gustavo Dacal, 
Advogado e Maceioense.