terça-feira, 30 de setembro de 2014

O discurso homofóbico e a liberdade de expressão


A polêmica do momento é o discurso supostamente homofóbico do candidato a Presidente Levy Fidelix, transmitido durante o debate presidencial da TV Record.


O candidato que não tem muito tempo na propaganda eleitoral e na mídia em geral, aproveitou a liberdade, espaço e alcance do debate para difundir suas idéias, classificadas como homofóbicas pela maioria da opinião pública, mas, é apoiado por parte relevante da população, que pensa exatamente como ele e concorda com suas declarações.

O que se discute basicamente é se as declarações dadas pelo candidato, decorrentes do seu direito à liberdade de expressão, são imunes ao direito das pessoas as quais se voltou o discurso, qual seja, os homossexuais em geral.

A dúvida que surge é se a liberdade de expressão é absoluta ou se o direito à livre manifestação de idéias deve ser limitado quando se trata de discursos que incitem o ódio e a discriminação.


Em países como os EUA, a liberdade de expressão é tratada como direito absoluto e desde que não sejam aplicados na prática, discursos racistas e preconceituosos podem ser propalados livremente pelas pessoas, por isso a frase do Filósofo americano Noam Chomsky segue neste sentido, refletindo a ideia de liberdade de expressão e democracia vigente naquele país.

No Brasil a liberdade de expressão vive um momento de debate, somos uma democracia jovem e ainda estamos consolidando conceitos de direitos fundamentais existentes na nossa constituição de 1988 e em tempos de opiniões produzidas em grande escala, em razão da expansão do acesso à internet e das redes sociais, nem sempre as opiniões agradam e algumas pessoas têm se posicionado no sentido de criminalizar a livre manifestação de idéias, sob o argumento de que algumas são preconceituosas e incitam o ódio e a violência, outros, defendem o direito de defender sua opinião, mesmo que ela atinja grupos determinados.

Ambos os lados do debate tem suas razões, mas nenhuma posição pode ser absoluta e o correto é ponderar caso a caso se aquela opinião emitida veio realmente a atingir bens jurídicos alheios ou incitar ódio e violência.

Defendo o direito do cidadão de emitir qualquer opinião e de responder pelos eventuais danos que a manifestação do pensamento venha a causar, mas nunca defenderei a atitude de calar qualquer grupo da sociedade.

Sobre as declarações de Levy Fidelix, por mais imbecis e preconceituosas que elas tenham sido, nunca se poderia impedir o candidato de manifestá-las, ainda mais se tratando de eleição presidencial, onde em uma democracia os partidos políticos e candidatos existem para representar os ideais dos diversos grupos da sociedade, e todos eles, desde que lícitos, devem ter espaço no processo político.

É muito perigoso se pregar a censura para determinadas opiniões, pois o direito à livre manifestação não deve ser passível de censura prévia e os mesmos defensores de tal censura, podem ser vítimas no futuro desta mesma prática, pois as tendências e opiniões dominantes mudam de acordo com o desenvolvimento da sociedade.

Há apenas algumas décadas a situação era inversa, pois o discurso de defesa da família tradicional e marginalização dos homossexuais era dominante na população brasileira e a defesa a favor dos direitos dos homossexuais era interpretado como algo imoral, ou seja, as tendências mudam, mas a divergência sempre existe, de forma que é necessário para uma democracia madura, a existência da livre liberdade de expressão, sem censura prévia, desde que acompanhada dos limites impostos por outros direitos fundamentais protegidos pela constituição.

Afinal de contas, o discurso de Levy Fidelix é criminoso? A sua declaração teve o objetivo de disseminar ódio e violência?

Esta avaliação ainda que seja subjetiva, deve ser feita pelo Poder Judiciário, que amparado nas leis e regras constitucionais irá interpretar as normas e definir se aquela conduta é um mero exercício da liberdade de expressão ou um discurso criminoso, imoral ou que incita o ódio, discriminação e violência.

Em minha opinião o candidato ultrapassou a fronteira do aceitável, no momento em que associou o homossexualismo à pedofilia, de forma ignorante e preconceituosa e acabou por se exceder mais ainda ao sugerir um enfrentamento contra os homossexuais, quando disse:

“Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los. Não tenha medo de dizer que sou pai, uma mãe, vovô, e o mais importante, é que esses que têm esses problemas realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo porque aqui não dá.”

Manifestar a opinião que é contra o homossexualismo, seja por princípios morais ou religiosos é perfeitamente normal e não vejo como um ato atentatório ao direito alheio, mas incitar uma maioria a enfrentar uma minoria e defender, ainda que indiretamente, o banimento dessa minoria é um pensamento que deve ser combatido, pois representa os princípios da intolerância, podendo levar ao ataque a esses grupos, inclusive com o uso da violência.

Este sim é um discurso que após ser dito de forma democrática, atenta contra a própria democracia, contra os princípios de qualquer sociedade livre que deve resguardar os direitos das diversas minorias, seja por opção sexual, raça, credo ou qualquer outro motivo lícito.

Que Levy Fidelix responda pelas conseqüências de seu discurso, mas nunca poderemos cair na tentação de tentar calar qualquer tipo de manifestação de opinião, pois a democracia deve apontar para o caminho do equilíbrio entre a livre manifestação e a responsabilidade por tais opiniões.



Gustavo Dacal.






Falas de Levy Fidelix no debate:

“Dois iguais não fazem filhos. Me desculpe, mas o aparelho excretor não reproduz. Tem candidato que não assume isso com medo de perder voto. Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, avô que instrua seu neto. Não vou estimular a união homoafetiva.”

“Aparelho excretor não reproduz (...) Como é que pode um pai de família, um avô ficar aqui escorado porque tem medo de perder voto? Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, um avô que tem vergonha na cara, que instrua seu filho, que instrua seu neto. Vamos acabar com essa historinha. Eu vi agora o santo padre, o papa, expurgar, fez muito bem, do Vaticano, um pedófilo. Está certo! Nós tratamos a vida toda com a religiosidade para que nossos filhos possam encontrar realmente um bom caminho familiar.”


“Luciana, você já imaginou? O Brasil tem 200 milhões de habitantes, daqui a pouquinho vai reduzir para 100 (milhões). Vai para a avenida Paulista, anda lá e vê. É feio o negócio, né? Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los. Não tenha medo de dizer que sou pai, uma mãe, vovô, e o mais importante, é que esses que têm esses problemas realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo porque aqui não dá.