Recentemente o futebol
Alagoano vem enfrentando uma grande polêmica relacionada à existência das
torcidas organizadas, onde o Ministério Público Estadual por meio de uma Ação
Cautelar, requereu a proibição, de forma temporária, do uso de camisas, bandeiras,
faixas e demais materiais relacionados às torcidas organizadas, visando
combater a violência supostamente vinculada à atuação destes grupos.
O problema da violência
no futebol é antigo, sendo algo enfrentado por diversos países.
A Inglaterra, país inventor
do futebol, que detêm o campeonato mais lucrativo e organizado do mundo, com
alguns dos maiores clubes do planeta, já enfrentou e combateu a violência nos
estádios de futebol, com os famosos “Hooligans”, torcedores dos clubes ingleses
conhecidos pela forma violenta de apoiar seus times e enfrentamentos com clubes
rivais.
A maior tragédia
relacionada ao Futebol Inglês aconteceu em 1985 na final da Taça dos Campeões,
quando o Liverpool jogou contra a Juventus da Itália em um estádio na Bélgica,
onde morreram 38 pessoas e centenas ficaram feridas, devido à atuação dos Hooligans do Liverpool.
Na Argentina os
“hooligans” recebem o nome de “Barras Bravas” que são as torcidas organizadas
dos clubes argentinos, conhecidos pelo fanatismo e pela violência, existindo
diversos episódios violentos envolvendo a “La 12”, torcida organizada do Boca
Jrs., “Los Diablos Rojos” organizada do Independiente e ainda “Los Borrachos del Tablón “ torcedores do River Plate, além de
outros grupos espalhados pelo país vizinho, causando problemas e polêmicas.
No Brasil tivemos vários
casos de violência em Estádios de futebol, inclusive com mortes, fatos que
acontecem até os dias atuais, onde cotidianamente pessoas são mortas pela
violência relacionada às torcidas organizadas de forma que em vários estados,
como em Alagoas, o Ministério Público vem atuando contra estes grupos e pedindo
judicialmente a extinção das Torcidas Organizadas.
Diante deste quadro,
será que a extinção é uma medida eficaz?
Quais as origens desta
violência?
Em Alagoas o problema
das Torcidas Organizadas vêm cada vez mais se agravando e a partir do ano de
2005 a controvérsia aumentou em razão do processo judicial de extinção das
maiores torcidas do Estado, a Mancha Azul do CSA e a Comando Vermelho do CRB,
tendo ao final apenas a Comando Vermelho sido extinta, na verdade,
juridicamente nunca existiu, pois não possuía personalidade jurídica nem
estatuto registrado, diferente da Torcida Mancha Azul que continua a existir
legalmente, mas na prática ambas continuam em atividade.
À época da proibição das
torcidas em decisão liminar (temporária), o que se observou nos estádios foi
que os grupos continuaram a existir sem qualquer mudança prática, a não ser a
ausência de camisas e materiais alusivos às suas marcas, porém, usou-se outra
nomenclatura e os grupos continuaram os mesmos, concentrando-se nos mesmos
locais e entoando os mesmo cânticos.
Na história recente dos
jogos no maior estádio de Alagoas, com exceção de pequenos incidentes, não
foram registrados conflitos ou problemas graves dentro do Rei Pelé, apesar da
existência das Torcidas Organizadas, ocorrendo casos de violência normalmente
nos arredores do Estádio ou até em bairros distantes do campo de jogo, inclusive
em dias em que não havia jogos.
Um dado real em que não
podemos desassociar, é que a violência imputada às torcidas vem aumentando
gradativamente junto aos índices de violência geral do Estado de Alagoas,
principalmente em Maceió, hoje considerada uma das cidades mais violentas do
Brasil, com os piores indicadores sociais entre as capitais, em que a periferia
vem sendo tratada com descaso pelas autoridades competentes, e os jovens são as
principais vítimas desta violência.
Então, será que a
violência supostamente existente nas torcidas, origina-se na violência
enfrentada pelos jovens no cotidiano em que vivem?
A maioria dos
integrantes, (oficiais e não-oficiais) das torcidas são jovens, boa parte
menores de 18 anos, faixa etária que mais se relaciona à violência, maiores vítimas
de homicídio e também são maioria no sistema prisional, que abriga um grande
número de pessoas entre 18 e 25 anos.
Em uma observação
crítica, percebe-se que boa parte dos integrantes das Torcidas são jovens entre
14 e 25 anos e moradores de bairros periféricos e pobres de Maceió, que se
aglomeram em grupos, algumas vezes violentos, com uma formação semelhante a
gangues, fenômeno comum em países como os Estados Unidos em que gangues de
jovens são formadas por bairros ou raça, com enfrentamentos violentos
constantes entre grupos rivais.
De fato a existência da
violência relacionada às Torcidas Organizadas é um problema real e deve ser
combatido, mas para combater o problema, se devem conhecer suas origens, seu
desenvolvimento, não basta apenas proibir, extinguir as torcidas, pois na
prática esta medida já se mostrou ineficaz, vide exemplo da Torcida Mancha
Verde do Palmeiras em São Paulo, extinta há vários anos, mas que na prática
continua a existir sob a denominação de Mancha alvi verde.
Um grande erro cometido
pelas autoridades é a associação simplista de que a violência entre estes
grupos tem origem apenas no futebol, ledo engano!
Infelizmente, nem sempre
as autoridades tem o conhecimento aprofundado do tema, quando algumas pessoas
que tratam do assunto sequer freqüentam jogos de futebol, obtendo dados apenas
por meio da imprensa e informações que muitas vezes não oferecem a devida
credibilidade.
O futebol representa a
alma do brasileiro, talvez a maior identidade deste país, onde como um esporte
que é, trás saúde, lazer, movimenta a economia, e a rivalidade entre os maiores
clubes do Estado pode sim ser algo saudável, bastando para isso educar os
torcedores e punir os baderneiros individualmente.
O combate a violência
nas torcidas organizadas é uma ação de política social e não só de repressão
policial, engana-se quem pensa que o problema será resolvido pela via da
extinção formal dos grupos, medida ingênua que não vai acabar com o problema,
correndo inclusive o risco de agravá-lo, pois sem o material que os identifica,
qualquer cidadão mal intencionado pode se camuflar em meio a torcedores comuns
para praticar crimes.
Com as torcidas
extintas, quem irá controlar os grupos inominados que continuarão a causar
problemas?
Como responsabilizar
estes grupos que sequer existem?
A ação correta é prender,
identificar, julgar e condenar aqueles indivíduos que realmente cometeram
crimes e não punir uma entidade responsabilizando objetivamente todo um grupo
por atos praticados individualmente, por
supostos membros destes grupos, isso incorreria em ilegalidade inclusive.
Seguindo este raciocínio,
será que agora passaremos a punir a Instituição da Polícia Militar por crimes
praticados por maus policias?
É justo demonizar toda
uma instituição e até extinguir a mesma por atos isolados de pessoas que nem
sempre são seus membros?
Acabar com as torcidas
dentro do Estádio é acabar com o futebol Alagoano, que vem em decadência há
anos e não precisa de medidas deste tipo, que além de punir os torcedores,
punem os clubes, tiram o brilho do evento.
O espetáculo
futebolístico não se resume aos 22 atletas em campo, mas o que abrilhanta ainda
mais os jogos, é a festa das torcidas nas arquibancadas e em especial das
torcidas organizadas, são elas que levantam a massa de torcedores nos estádios,
transformando o jogo em uma festa.
O Poder Judiciário
recentemente, por meio de uma decisão cautelar, provocado pelo Ministério
Público, proibiu, de forma genérica, a entrada de torcedores no estádio Rei
Pelé em jogos de CSA e CRB, com “qualquer objeto ou apetrecho que contenham ou
façam menção ou os caracterize, ainda que de forma indireta, como integrantes
e/ou simpatizantes das torcidas organizadas do CRB ou CSA.”, ou seja, caso um
torcedor qualquer, simpatizante de alguma torcida queira adentrar no estádio
com a camisa representando a torcida, ele será impedido pela Polícia Militar,
por determinação judicial, mesmo que ele esteja com ingresso comprado, ele será
impedido de usufruir do espetáculo esportivo o qual pagou.
Dai nos perguntamos:
Onde fica o direito do consumidor pagante de ingresso de se manifestar
livremente?
A decisão liminar
intentada pela Promotoria Coletiva
Especializada de Defesa do Consumidor visa proteger um interesse coletivo dos
consumidores, que são neste caso, as pessoas que pagam por seu ingresso para em
contrapartida, assistir nas dependências do Estádio o jogo do seu time, ou da
torcida a qual é simpatizante.
Este torcedor, adepto de
uma determinada torcida, seja ela organizada ou não, tem pleno direito de
assistir ao jogo com a vestimenta que ao seu livre arbítrio seja escolhida,
respeitando evidentemente, a moral e os bons costumes.
Proibir o uso do
material da torcidas ou extinguir tais associações, além de medida ineficaz e
abusiva, é querer esconder o lixo debaixo do tapete, é algo inconveniente, que
sequer irá amenizar os reais problemas, pois, qualquer um que freqüenta os
jogos de futebol sabe que dentro do estádio em raras oportunidades acontecem
tumultos ou atos de grave violência.
O que se percebe é que
muitas vezes alguns atos de vandalismo ou violência, são praticados em bairros
distantes do Estádio, e mesmo assim, de forma equivocada, se associa este ato
isolado ao espetáculo futebolístico, mesmo sem que seja possível comprovar que
estas pessoas responsáveis pelo fato ou vítimas estavam presentes ao estádio, ou
seja, que este indivíduo seja consumidor dos jogos de CSA e CRB, ou ainda, que
tenha lesado direito tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor.
Trata-se na verdade, de
um problema de segurança pública, de interesse de toda a sociedade, pois
seguindo a mesma lógica, vamos proibir a transmissão de jogos pela televisão de
times do eixo Rio / São Paulo, onde temos registros, seja na capital ou no
interior, de crimes cometidos após discussão relacionada a estes times, sendo
assim, proibi-se a manifestação de preferência futebolística?
A medida correta, na
nossa visão, seria um maior investimento público em segurança, em capacitação
da força policial, para que assim tenham efetivo preparo para lidar de forma
eficaz contra esta violência, no sentido de punir verdadeiramente os
responsáveis diretos por estes crimes, coibindo o crescimento da violência na
capital de Alagoas.
Observa-se na prática,
que diversos abusos foram cometidos em razão desta decisão judicial, que tem
caráter vago, impreciso, de natureza genérica, existindo casos extremos onde um
torcedor foi barrado de forma truculenta na entrada do Estádio por querer
adentrar com a bandeira de Alagoas, símbolo maior do Estado, o qual as mesmas
autoridades que fizeram a proibição são subordinadas.
Os efeitos negativos
desta medida respingam ainda no torcedor de bem, como por exemplo os torcedores
das “Charangas” de CSA e CRB, proibidos de ingressar ao Estádio com seus
instrumentos, formada em sua parte por pessoas idosas, pais de família que há
décadas e de geração em geração formam orquestras de metais e percussão para
animar os torcedores, algo que já faz parte da cultura do futebol Alagoano.
Os membros das
“Charangas” também são consumidores enquanto pagantes de ingresso?
Caso um grupo de
cidadãos decida formar uma torcida, denominando-a Torcida da Terceira Idade, a
título de exemplificação, em razão da violência alheia, eles estarão proibidos
de expressar seu pensamento em forma de frases em material próprio, como
camisas, faixas e demais objetos de uso pessoal?
A Constituição Federal
garante a liberdade de manifestação de idéias, pensamento, ela protege a liberdade
de expressão, e o direito à liberdade de ir e vir, vedando qualquer impedimento
da liberdade individual, senão em virtude de lei, de forma que esta medida
judicial é inconstitucional e ilegal, por ser um ato que proíbe a livre
manifestação do pensamento.
As intenções do
Ministério Público e do Poder Judiciário são as melhores possíveis, no sentido
de resguardar a sociedade, porém, combater o mal com uma medida equivocada,
lesando a própria coletividade, não seria o caminho mais prudente, de forma que
“torcemos” para que esta atitude seja revista, considerando principalmente os
resultados que certamente serão desastrosos como os já presenciados.
Além do prejuízo dos
torcedores / consumidores, perdem ainda os clubes de futebol, que convivem com
rendas insuficientes para manterem suas atividades de forma satisfatória,
afastando ainda mais o público dos estádios, onde com um bom esquema de
segurança e investimento em educação do público, o jogo sempre transcorrerá em
paz.
Conclui-se que o
problema da violência relacionada ao futebol é algo real, mas encarado de forma
equivocada, devendo toda a sociedade, principalmente os desportistas e aqueles
verdadeiros consumidores, os torcedores, debaterem de forma franca o futuro do
Futebol Alagoano, para desta forma atacar o problema com medidas
verdadeiramente eficazes.
Elaborado em 29/01/11.
Por: Gustavo
Dacal - Advogado,
Especialista em Ciências Criminais e Vice-presidente Jurídico do Centro
Sportivo Alagoano.