quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Torcidas Organizadas x Segurança Pública



Recentemente o futebol Alagoano vem enfrentando uma grande polêmica relacionada à existência das torcidas organizadas, onde o Ministério Público Estadual por meio de uma Ação Cautelar, requereu a proibição, de forma temporária, do uso de camisas, bandeiras, faixas e demais materiais relacionados às torcidas organizadas, visando combater a violência supostamente vinculada à atuação destes grupos.

O problema da violência no futebol é antigo, sendo algo enfrentado por diversos países.

A Inglaterra, país inventor do futebol, que detêm o campeonato mais lucrativo e organizado do mundo, com alguns dos maiores clubes do planeta, já enfrentou e combateu a violência nos estádios de futebol, com os famosos “Hooligans”, torcedores dos clubes ingleses conhecidos pela forma violenta de apoiar seus times e enfrentamentos com clubes rivais.

A maior tragédia relacionada ao Futebol Inglês aconteceu em 1985 na final da Taça dos Campeões, quando o Liverpool jogou contra a Juventus da Itália em um estádio na Bélgica, onde morreram 38 pessoas e centenas ficaram feridas, devido à atuação dos Hooligans do Liverpool.

Na Argentina os “hooligans” recebem o nome de “Barras Bravas” que são as torcidas organizadas dos clubes argentinos, conhecidos pelo fanatismo e pela violência, existindo diversos episódios violentos envolvendo a “La 12”, torcida organizada do Boca Jrs., “Los Diablos Rojos” organizada do Independiente e ainda “Los Borrachos del Tablón “  torcedores do River Plate, além de outros grupos espalhados pelo país vizinho, causando problemas e polêmicas.

No Brasil tivemos vários casos de violência em Estádios de futebol, inclusive com mortes, fatos que acontecem até os dias atuais, onde cotidianamente pessoas são mortas pela violência relacionada às torcidas organizadas de forma que em vários estados, como em Alagoas, o Ministério Público vem atuando contra estes grupos e pedindo judicialmente a extinção das Torcidas Organizadas.

Diante deste quadro, será que a extinção é uma medida eficaz?

Quais as origens desta violência?

Em Alagoas o problema das Torcidas Organizadas vêm cada vez mais se agravando e a partir do ano de 2005 a controvérsia aumentou em razão do processo judicial de extinção das maiores torcidas do Estado, a Mancha Azul do CSA e a Comando Vermelho do CRB, tendo ao final apenas a Comando Vermelho sido extinta, na verdade, juridicamente nunca existiu, pois não possuía personalidade jurídica nem estatuto registrado, diferente da Torcida Mancha Azul que continua a existir legalmente, mas na prática ambas continuam em atividade.

À época da proibição das torcidas em decisão liminar (temporária), o que se observou nos estádios foi que os grupos continuaram a existir sem qualquer mudança prática, a não ser a ausência de camisas e materiais alusivos às suas marcas, porém, usou-se outra nomenclatura e os grupos continuaram os mesmos, concentrando-se nos mesmos locais e entoando os mesmo cânticos.

Na história recente dos jogos no maior estádio de Alagoas, com exceção de pequenos incidentes, não foram registrados conflitos ou problemas graves dentro do Rei Pelé, apesar da existência das Torcidas Organizadas, ocorrendo casos de violência normalmente nos arredores do Estádio ou até em bairros distantes do campo de jogo, inclusive em dias em que não havia jogos.

Um dado real em que não podemos desassociar, é que a violência imputada às torcidas vem aumentando gradativamente junto aos índices de violência geral do Estado de Alagoas, principalmente em Maceió, hoje considerada uma das cidades mais violentas do Brasil, com os piores indicadores sociais entre as capitais, em que a periferia vem sendo tratada com descaso pelas autoridades competentes, e os jovens são as principais vítimas desta violência.

Então, será que a violência supostamente existente nas torcidas, origina-se na violência enfrentada pelos jovens no cotidiano em que vivem?

A maioria dos integrantes, (oficiais e não-oficiais) das torcidas são jovens, boa parte menores de 18 anos, faixa etária que mais se relaciona à violência, maiores vítimas de homicídio e também são maioria no sistema prisional, que abriga um grande número de pessoas entre 18 e 25 anos.

Em uma observação crítica, percebe-se que boa parte dos integrantes das Torcidas são jovens entre 14 e 25 anos e moradores de bairros periféricos e pobres de Maceió, que se aglomeram em grupos, algumas vezes violentos, com uma formação semelhante a gangues, fenômeno comum em países como os Estados Unidos em que gangues de jovens são formadas por bairros ou raça, com enfrentamentos violentos constantes entre grupos rivais.

De fato a existência da violência relacionada às Torcidas Organizadas é um problema real e deve ser combatido, mas para combater o problema, se devem conhecer suas origens, seu desenvolvimento, não basta apenas proibir, extinguir as torcidas, pois na prática esta medida já se mostrou ineficaz, vide exemplo da Torcida Mancha Verde do Palmeiras em São Paulo, extinta há vários anos, mas que na prática continua a existir sob a denominação de Mancha alvi verde.

Um grande erro cometido pelas autoridades é a associação simplista de que a violência entre estes grupos tem origem apenas no futebol, ledo engano!

Infelizmente, nem sempre as autoridades tem o conhecimento aprofundado do tema, quando algumas pessoas que tratam do assunto sequer freqüentam jogos de futebol, obtendo dados apenas por meio da imprensa e informações que muitas vezes não oferecem a devida credibilidade.

O futebol representa a alma do brasileiro, talvez a maior identidade deste país, onde como um esporte que é, trás saúde, lazer, movimenta a economia, e a rivalidade entre os maiores clubes do Estado pode sim ser algo saudável, bastando para isso educar os torcedores e punir os baderneiros individualmente.

O combate a violência nas torcidas organizadas é uma ação de política social e não só de repressão policial, engana-se quem pensa que o problema será resolvido pela via da extinção formal dos grupos, medida ingênua que não vai acabar com o problema, correndo inclusive o risco de agravá-lo, pois sem o material que os identifica, qualquer cidadão mal intencionado pode se camuflar em meio a torcedores comuns para praticar crimes.

Com as torcidas extintas, quem irá controlar os grupos inominados que continuarão a causar problemas?

Como responsabilizar estes grupos que sequer existem?

A ação correta é prender, identificar, julgar e condenar aqueles indivíduos que realmente cometeram crimes e não punir uma entidade responsabilizando objetivamente todo um grupo por atos praticados individualmente,  por supostos membros destes grupos, isso incorreria em ilegalidade inclusive.

Seguindo este raciocínio, será que agora passaremos a punir a Instituição da Polícia Militar por crimes praticados por maus policias?

É justo demonizar toda uma instituição e até extinguir a mesma por atos isolados de pessoas que nem sempre são seus membros?

Acabar com as torcidas dentro do Estádio é acabar com o futebol Alagoano, que vem em decadência há anos e não precisa de medidas deste tipo, que além de punir os torcedores, punem os clubes, tiram o brilho do evento.

O espetáculo futebolístico não se resume aos 22 atletas em campo, mas o que abrilhanta ainda mais os jogos, é a festa das torcidas nas arquibancadas e em especial das torcidas organizadas, são elas que levantam a massa de torcedores nos estádios, transformando o jogo em uma festa.

O Poder Judiciário recentemente, por meio de uma decisão cautelar, provocado pelo Ministério Público, proibiu, de forma genérica, a entrada de torcedores no estádio Rei Pelé em jogos de CSA e CRB, com “qualquer objeto ou apetrecho que contenham ou façam menção ou os caracterize, ainda que de forma indireta, como integrantes e/ou simpatizantes das torcidas organizadas do CRB ou CSA.”, ou seja, caso um torcedor qualquer, simpatizante de alguma torcida queira adentrar no estádio com a camisa representando a torcida, ele será impedido pela Polícia Militar, por determinação judicial, mesmo que ele esteja com ingresso comprado, ele será impedido de usufruir do espetáculo esportivo o qual pagou.

Dai nos perguntamos: Onde fica o direito do consumidor pagante de ingresso de se manifestar livremente?
A decisão liminar intentada pela Promotoria Coletiva Especializada de Defesa do Consumidor visa proteger um interesse coletivo dos consumidores, que são neste caso, as pessoas que pagam por seu ingresso para em contrapartida, assistir nas dependências do Estádio o jogo do seu time, ou da torcida a qual é simpatizante.

Este torcedor, adepto de uma determinada torcida, seja ela organizada ou não, tem pleno direito de assistir ao jogo com a vestimenta que ao seu livre arbítrio seja escolhida, respeitando evidentemente, a moral e os bons costumes.

Proibir o uso do material da torcidas ou extinguir tais associações, além de medida ineficaz e abusiva, é querer esconder o lixo debaixo do tapete, é algo inconveniente, que sequer irá amenizar os reais problemas, pois, qualquer um que freqüenta os jogos de futebol sabe que dentro do estádio em raras oportunidades acontecem tumultos ou atos de grave violência.

O que se percebe é que muitas vezes alguns atos de vandalismo ou violência, são praticados em bairros distantes do Estádio, e mesmo assim, de forma equivocada, se associa este ato isolado ao espetáculo futebolístico, mesmo sem que seja possível comprovar que estas pessoas responsáveis pelo fato ou vítimas estavam presentes ao estádio, ou seja, que este indivíduo seja consumidor dos jogos de CSA e CRB, ou ainda, que tenha lesado direito tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor.
Trata-se na verdade, de um problema de segurança pública, de interesse de toda a sociedade, pois seguindo a mesma lógica, vamos proibir a transmissão de jogos pela televisão de times do eixo Rio / São Paulo, onde temos registros, seja na capital ou no interior, de crimes cometidos após discussão relacionada a estes times, sendo assim, proibi-se a manifestação de preferência futebolística?

A medida correta, na nossa visão, seria um maior investimento público em segurança, em capacitação da força policial, para que assim tenham efetivo preparo para lidar de forma eficaz contra esta violência, no sentido de punir verdadeiramente os responsáveis diretos por estes crimes, coibindo o crescimento da violência na capital de Alagoas.

Observa-se na prática, que diversos abusos foram cometidos em razão desta decisão judicial, que tem caráter vago, impreciso, de natureza genérica, existindo casos extremos onde um torcedor foi barrado de forma truculenta na entrada do Estádio por querer adentrar com a bandeira de Alagoas, símbolo maior do Estado, o qual as mesmas autoridades que fizeram a proibição são subordinadas.

Os efeitos negativos desta medida respingam ainda no torcedor de bem, como por exemplo os torcedores das “Charangas” de CSA e CRB, proibidos de ingressar ao Estádio com seus instrumentos, formada em sua parte por pessoas idosas, pais de família que há décadas e de geração em geração formam orquestras de metais e percussão para animar os torcedores, algo que já faz parte da cultura do futebol Alagoano.
Os membros das “Charangas” também são consumidores enquanto pagantes de ingresso?
Caso um grupo de cidadãos decida formar uma torcida, denominando-a Torcida da Terceira Idade, a título de exemplificação, em razão da violência alheia, eles estarão proibidos de expressar seu pensamento em forma de frases em material próprio, como camisas, faixas e demais objetos de uso pessoal?

A Constituição Federal garante a liberdade de manifestação de idéias, pensamento, ela protege a liberdade de expressão, e o direito à liberdade de ir e vir, vedando qualquer impedimento da liberdade individual, senão em virtude de lei, de forma que esta medida judicial é inconstitucional e ilegal, por ser um ato que proíbe a livre manifestação do pensamento.

As intenções do Ministério Público e do Poder Judiciário são as melhores possíveis, no sentido de resguardar a sociedade, porém, combater o mal com uma medida equivocada, lesando a própria coletividade, não seria o caminho mais prudente, de forma que “torcemos” para que esta atitude seja revista, considerando principalmente os resultados que certamente serão desastrosos como os já presenciados.

Além do prejuízo dos torcedores / consumidores, perdem ainda os clubes de futebol, que convivem com rendas insuficientes para manterem suas atividades de forma satisfatória, afastando ainda mais o público dos estádios, onde com um bom esquema de segurança e investimento em educação do público, o jogo sempre transcorrerá em paz.

Conclui-se que o problema da violência relacionada ao futebol é algo real, mas encarado de forma equivocada, devendo toda a sociedade, principalmente os desportistas e aqueles verdadeiros consumidores, os torcedores, debaterem de forma franca o futuro do Futebol Alagoano, para desta forma atacar o problema com medidas verdadeiramente eficazes.



Elaborado em 29/01/11.

Por: Gustavo Dacal - Advogado, Especialista em Ciências Criminais e Vice-presidente Jurídico do Centro Sportivo Alagoano.