terça-feira, 30 de setembro de 2014

O discurso homofóbico e a liberdade de expressão


A polêmica do momento é o discurso supostamente homofóbico do candidato a Presidente Levy Fidelix, transmitido durante o debate presidencial da TV Record.


O candidato que não tem muito tempo na propaganda eleitoral e na mídia em geral, aproveitou a liberdade, espaço e alcance do debate para difundir suas idéias, classificadas como homofóbicas pela maioria da opinião pública, mas, é apoiado por parte relevante da população, que pensa exatamente como ele e concorda com suas declarações.

O que se discute basicamente é se as declarações dadas pelo candidato, decorrentes do seu direito à liberdade de expressão, são imunes ao direito das pessoas as quais se voltou o discurso, qual seja, os homossexuais em geral.

A dúvida que surge é se a liberdade de expressão é absoluta ou se o direito à livre manifestação de idéias deve ser limitado quando se trata de discursos que incitem o ódio e a discriminação.


Em países como os EUA, a liberdade de expressão é tratada como direito absoluto e desde que não sejam aplicados na prática, discursos racistas e preconceituosos podem ser propalados livremente pelas pessoas, por isso a frase do Filósofo americano Noam Chomsky segue neste sentido, refletindo a ideia de liberdade de expressão e democracia vigente naquele país.

No Brasil a liberdade de expressão vive um momento de debate, somos uma democracia jovem e ainda estamos consolidando conceitos de direitos fundamentais existentes na nossa constituição de 1988 e em tempos de opiniões produzidas em grande escala, em razão da expansão do acesso à internet e das redes sociais, nem sempre as opiniões agradam e algumas pessoas têm se posicionado no sentido de criminalizar a livre manifestação de idéias, sob o argumento de que algumas são preconceituosas e incitam o ódio e a violência, outros, defendem o direito de defender sua opinião, mesmo que ela atinja grupos determinados.

Ambos os lados do debate tem suas razões, mas nenhuma posição pode ser absoluta e o correto é ponderar caso a caso se aquela opinião emitida veio realmente a atingir bens jurídicos alheios ou incitar ódio e violência.

Defendo o direito do cidadão de emitir qualquer opinião e de responder pelos eventuais danos que a manifestação do pensamento venha a causar, mas nunca defenderei a atitude de calar qualquer grupo da sociedade.

Sobre as declarações de Levy Fidelix, por mais imbecis e preconceituosas que elas tenham sido, nunca se poderia impedir o candidato de manifestá-las, ainda mais se tratando de eleição presidencial, onde em uma democracia os partidos políticos e candidatos existem para representar os ideais dos diversos grupos da sociedade, e todos eles, desde que lícitos, devem ter espaço no processo político.

É muito perigoso se pregar a censura para determinadas opiniões, pois o direito à livre manifestação não deve ser passível de censura prévia e os mesmos defensores de tal censura, podem ser vítimas no futuro desta mesma prática, pois as tendências e opiniões dominantes mudam de acordo com o desenvolvimento da sociedade.

Há apenas algumas décadas a situação era inversa, pois o discurso de defesa da família tradicional e marginalização dos homossexuais era dominante na população brasileira e a defesa a favor dos direitos dos homossexuais era interpretado como algo imoral, ou seja, as tendências mudam, mas a divergência sempre existe, de forma que é necessário para uma democracia madura, a existência da livre liberdade de expressão, sem censura prévia, desde que acompanhada dos limites impostos por outros direitos fundamentais protegidos pela constituição.

Afinal de contas, o discurso de Levy Fidelix é criminoso? A sua declaração teve o objetivo de disseminar ódio e violência?

Esta avaliação ainda que seja subjetiva, deve ser feita pelo Poder Judiciário, que amparado nas leis e regras constitucionais irá interpretar as normas e definir se aquela conduta é um mero exercício da liberdade de expressão ou um discurso criminoso, imoral ou que incita o ódio, discriminação e violência.

Em minha opinião o candidato ultrapassou a fronteira do aceitável, no momento em que associou o homossexualismo à pedofilia, de forma ignorante e preconceituosa e acabou por se exceder mais ainda ao sugerir um enfrentamento contra os homossexuais, quando disse:

“Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los. Não tenha medo de dizer que sou pai, uma mãe, vovô, e o mais importante, é que esses que têm esses problemas realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo porque aqui não dá.”

Manifestar a opinião que é contra o homossexualismo, seja por princípios morais ou religiosos é perfeitamente normal e não vejo como um ato atentatório ao direito alheio, mas incitar uma maioria a enfrentar uma minoria e defender, ainda que indiretamente, o banimento dessa minoria é um pensamento que deve ser combatido, pois representa os princípios da intolerância, podendo levar ao ataque a esses grupos, inclusive com o uso da violência.

Este sim é um discurso que após ser dito de forma democrática, atenta contra a própria democracia, contra os princípios de qualquer sociedade livre que deve resguardar os direitos das diversas minorias, seja por opção sexual, raça, credo ou qualquer outro motivo lícito.

Que Levy Fidelix responda pelas conseqüências de seu discurso, mas nunca poderemos cair na tentação de tentar calar qualquer tipo de manifestação de opinião, pois a democracia deve apontar para o caminho do equilíbrio entre a livre manifestação e a responsabilidade por tais opiniões.



Gustavo Dacal.






Falas de Levy Fidelix no debate:

“Dois iguais não fazem filhos. Me desculpe, mas o aparelho excretor não reproduz. Tem candidato que não assume isso com medo de perder voto. Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, avô que instrua seu neto. Não vou estimular a união homoafetiva.”

“Aparelho excretor não reproduz (...) Como é que pode um pai de família, um avô ficar aqui escorado porque tem medo de perder voto? Prefiro não ter esses votos, mas ser um pai, um avô que tem vergonha na cara, que instrua seu filho, que instrua seu neto. Vamos acabar com essa historinha. Eu vi agora o santo padre, o papa, expurgar, fez muito bem, do Vaticano, um pedófilo. Está certo! Nós tratamos a vida toda com a religiosidade para que nossos filhos possam encontrar realmente um bom caminho familiar.”


“Luciana, você já imaginou? O Brasil tem 200 milhões de habitantes, daqui a pouquinho vai reduzir para 100 (milhões). Vai para a avenida Paulista, anda lá e vê. É feio o negócio, né? Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los. Não tenha medo de dizer que sou pai, uma mãe, vovô, e o mais importante, é que esses que têm esses problemas realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo porque aqui não dá.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Tráfico, corrupção e violência: Efeitos da equivocada repressão às drogas

Juiz é suspeito de beneficiar traficantes clientes de advogada

Polícia encontrou várias sentenças assinadas pelo juiz Amaury de Lima e Souza beneficiando traficantes, clientes da advogada Andrea Elizabeth de Leão Rodrigues.









A matéria acima trata da prisão de um Juiz de Direito que negociava suas decisões judiciais com uma quadrilha de traficantes, por intermédio de uma Advogada.
Este fato causa surpresa e espanto na população em geral, mas não para mim, outros advogados que militam na área criminal, policiais, membros do judiciário, MP, agentes penitenciários ou qualquer pessoa que milite na área ou tenha conhecimento de política criminal, principalmente Política Antidrogas.

Não é raro encontrar pessoas se vendendo ao poder financeiro do tráfico de drogas (ou de armas, políticos, empresários...), estando entre eles profissionais de diversos meios, tais como policiais (militar, civil ou rodoviária ou federal), membros das forças armadas, Juízes de Direito, Promotores, Advogados, agentes penitenciários, entre outros, que acabam por criar uma verdadeira relação espúria de “trabalho” com os chefes de organizações criminosas, porém, é raro, ocorrer prisões de autoridades do naipe de um Juiz de Direito, como a que ocorreu nesta matéria.

O Tráfico de drogas ilícitas é um dos negócios mais rentáveis do mundo e do Brasil e por ser um mercado negro, ilegal, é um dos mais reprimidos, também o que mais gera prisões, principalmente de jovens, em sua maioria pobre e negros, mesmo assim continua atraindo a participação destes e de pessoas de diversas classes sociais, apesar da maioria esmagadora das prisões serem dos operários deste sistema, dos que estão na ponta e desempenham o papel mais básico desta complexa estrutura criminosa.



Entre os efeitos do Tráfico de Drogas, está o crime decorrente do mercado negro, a violência, marginalidade e a corrupção, objeto da reportagem que gerou este texto, tudo isso decorrente da proibição e repressão do uso de determinadas substancias, o que não vem diminuído o uso e em escala galopante vem aumentando a violência e corrupção.

Costumo ilustrar as prisões do tráfico com uma comparação básica:

Imaginem que o Brasil instituísse uma lei que torna o álcool ilegal, criminalizando toda a cadeia de produção, distribuição e venda desta droga, sob o argumento de que a mesma causa malefícios à saúde física e psíquica (o que é verdade), contribuindo para o aumento da criminalidade em geral, acidentes de trânsito e causando prejuízos ao sistema de saúde. Sendo assim, como todo comércio lucrativo em que existe alta demanda, certamente o álcool continuaria a ser consumido por parcela considerável da população.

Existindo demanda e lucro, alguns ingressam no mercado que agora, seria ilegal e em uma situação tosca, teríamos, hipoteticamente, a AMBEV (agora ilegal, organização criminosa) como maior produtor e distribuidor da droga, sendo os bares os destinatários do produto onde seria vendido (servido) por seus garçons nos estabelecimentos, agora, clandestinos.

ð  A proibição do álcool já foi tentada nos EUA nos aos 20 e revogada em torno de 13 anos depois, após resultados desastrosos que resultaram na morte de milhares de pessoas e na criação de uma das mais bem sucedidas máfias do mundo, personificada pelo gangster Al Capone e claro, nunca faltou álcool no mercado e houve aumento significativo na corrupção de autoridades, entre policiais, juízes e políticos.

Voltando ao exercício de imaginação:

Nesta estrutura de distribuição do álcool ilegal, comparando com a existente hoje, as prisões ocorreriam essencialmente, primeiro entre os motoristas e carregadores de caminhões de bebidas (seriam as mulas do tráfico) e os garçons (aviões) seriam maioria nos presídios, em decorrência das atividades de repressão, que dificilmente atingiria os controladores da AMBEV (produtores), os grandes distribuidores (Narcotraficantes, chefes) de bebidas, os donos de bares (donos de boca), e outros que exercem a parte principal da organização, justamente pela falta de competência ou interesse em se combater o mal pela cúpula e como ocorre muito, graças a corrupção de autoridades, seduzidas pelo forte poder econômico do tráfico.

Se o álcool e o tabaco fossem ilegais, nossos presídios teriam mais jovens, negros e mestiços, pobres, moradores das periferias, presos por tráfico de drogas, agravando o problema já existente na falida repressão às drogas como a Maconha, Cocaína e o Crack.

A nossa política criminal na prática acontece desta forma, com a polícia prendendo diariamente pequenos traficantes, aviõezinhos, mulas, usuários (pobres) presos injustamente por tráfico e raramente, ocorrem prisões de Chefões do tráfico internacional ou grandes distribuidores, pois estes se utilizam frequentemente da corrupção institucional para ficarem impunes.

O mercado negro do contrabando de drogas fornece altos lucros para muita gente, envolvidos direta ou indiretamente no negócio, movimentando milhões que são usados para corromper autoridades em todos os níveis e manter o empreendimento em funcionamento, sendo a atual Política de Repressão um meio ineficaz em seu objetivo, porém, extremamente lucrativa para os atores envolvidos neste processo, incluindo corruptos e corruptores.

Quem perde e muito com isso, é a população em geral, com o aumento da violência gerada pela repressão das drogas, responsável por 56,12% dos assassinatos no Brasil, onde os mortos, em sua grande maioria são de jovens pobres de 15 a 25 anos, dados do grupo UN de Notícias em pesquisa recente, chegando a 77% em cidades como Curitiba, um índice alarmante e certamente, muito maior do que o número de mortes relacionadas diretamente ao uso das drogas.


Traficantes em favela do Rio de Janeiro.

Jovem morto em decorrência do Tráfico


Não faz mais sentido investir tanto dinheiro e energia em algo que causa mais danos do que o que se pretende evitar, ou seja, o tráfico criado com a repressão estatal gera um dano infinitamente maior do que o uso das drogas, considerando que elas continuam chegando aos consumidores.

O Estado brasileiro é incapaz de evitar a entrada das drogas em presídios, locais, em tese, vigiados pelas autoridades e cercado de muros, de forma que é utópico acreditar que este mesmo Estado é capaz de reprimir a entrada de drogas no país, nos Estados, nas cidades ou na casa dos consumidores de drogas.

Com esses números concluímos que a Política de Repressão às drogas, mata em proporção infinitamente superior ao do uso de entorpecentes e gera um mercado negro capaz de corromper agentes públicos em todos os escalões, ou seja, nossa Política Antidrogas é um desastre e continuará sendo por muito tempo.

Em Alagoas o tráfico de drogas impulsionou o Estado e a cidade de Maceió a ocupar a primeira posição no ranking de violência, em número de homicídios proporcionais à população, sendo a maioria esmagadora dos crimes resultantes do tráfico de drogas.

Não à toa, Alagoas ocupa os últimos lugares em índices sociais de desenvolvimento humano e econômico, somos um dos Estados mais pobres da federação, temos alto índice de desemprego, baixa oferta de trabalho e uma população crescente, com maioria de jovens, terreno fértil para a proliferação do Tráfico de Drogas, que funciona como opção de trabalho para muitos jovens sem educação e formação profissional e um Estado falido e corrupto, razões pela qual o tráfico cresce e junto com a repressão policial gera os maiores índices de violência nacional e um dos piores do mundo.

A corrupção de um Juiz e uma advogada, é apenas uma parte do problema, servindo para todos como uma reflexão e reavaliação dos rumos da já fracassada política de Repressão às drogas, justamente em um momento onde diversos países passaram a adotar medidas de regulamentação e controle da produção, distribuição, comercialização de drogas antes ilícitas, tirando o poder das mãos dos narcotraficantes, porém, no Brasil, onde muita gente que faz parte do poder vem lucrando com a ilegalidade, caminhamos a passos de tartaruga em Política de Drogas, tratando o tema, ainda, com argumentos morais e religiosos, enquanto todos os dias pessoas morrem e outras enriquecem com o comércio de drogas.



Quanto a eles, a Advogada deve ter seu registro na OAB suspenso ou posteriormente, cassado, pois não desempenhou atividade jurídica, mas verdadeira participação nos crimes, assim como o Juiz, que saiu da posição de julgador para a de partícipe da organização criminosa e como “pena máxima”, será aposentado compulsoriamente pelo respectivo tribunal, além de ambos, responderem criminalmente pelos fatos que supostamente cometeram.

Os traficantes terão agora a não tão difícil missão de corromper novos personagens para manter o sistema funcionando e distribuir os rendimentos do lucrativo mercado negro das drogas ilícitas.



Gustavo Dacal,
Advogado.


Comentário:
- Os dados estatísticos sobre as drogas no Brasil são obscuros, não há investimento em informação, inteligência, mas apenas em repressão, que não apresenta nenhuma melhora no êxito e vem consumindo Bilhões de reais que poderiam ser investidos em educação, saúde e prevenção do uso de drogas, com campanhas educativas como as que reduziu o uso do cigarro ou a lei seca que diminuiu a incidência de acidentes de trânsito provocados pelo uso de álcool.



*Imagens retiradas em pesquisa pública no google, estando este blog à disposição para removê-las em caso de violação aos direitos autorais.



terça-feira, 25 de março de 2014

O Verdadeiro Retrato da Violência em Alagoas e a Semana Nacional Do Júri


O Conselho Nacional de Justiça promoveu de 17 a 21 de março em todo o país a Semana Nacional do Júri, movimento que visa julgar processos antigos que abarrotam as estantes dos Tribunais do Júri por todo o país.

Os dados oficiais podem ser visto ao final.

Em Alagoas o Tribunal de Justiça realizou julgamentos na capital e no interior, de processos de crimes dolosos contra a vida, a maioria, quase todos de homicídios.



Foram julgados processos de crimes que ocorreram inclusive nos anos 90, onde os acusados e os familiares das vítimas aguardam que os processos tenham um desfecho, causando a sensação de impunidade que impera na população Alagoana.

Eu tive a oportunidade de trabalhar em dois processos, um como assistente de acusação, onde o Réu, Policial Militar foi condenado e excluído da Corporação, em crime que ocorreu no ano de 2007 e outro onde fiz a defesa de um acusado que foi absolvido e um duplo homicídio praticado em 2004, portanto, julgamentos realizados sete e dez anos depois de seu cometimento.

O fato de ter trabalhado nos dois lados da tribuna, mostrou que a demora no julgamento, afeta negativamente tanto às vítimas quanto aos acusados, onde as famílias de vítimas de homicídio ficam com a sensação de impunidade, desacreditando no judiciário e os réus carregam por anos o peso de ser acusado em um crime grave como o de homicídio, sendo que quando absolvidos, suas vidas ficará marcada por uma acusação que se mostrou improcedente.

Dos julgamentos realizados, tivemos um índice de aproximadamente 53% de absolvições no Estado, sendo 50% de absolvições no interior e 67% de réus absolvidos na Capital, índices que demonstram que a maioria das pessoas que foram a julgamentos ou eram inocentes ou cometeram o crime amparadas por uma excludente de ilicitude, culpabilidade ou tipicidade, tais como a legítima defesa, inimputabilidade ou coação física absoluta por exemplo.

Se partirmos para uma análise mais ampla da criminalidade, percebemos que em Alagoas apenas 2% dos homicídios são solucionados (dados do SINDPOL/AL), ou seja, de 2.268 homicídios em 2011 em Alagoas, apenas 45 crimes aproximadamente foram solucionados, um verdadeiro paraíso para a impunidade.

Se com uma taxa de crimes solucionados tão baixa, a justiça ainda tem dificuldades para julgar, difícil imaginar como o judiciário Alagoano julgaria os processos, se mais crimes fossem solucionados e seus acusados denunciados levados a julgamento.



Muita gente procura motivos para entender a criminalidade em nosso Estado, mas certamente um deles é a impunidade, pois os crimes são cometidos e os seus verdadeiros autores não são levados a julgamento, além da péssima qualidade na investigação e apuração dos delitos, o que gera o alto índice de absolvições nos julgamentos, seja por falta de provas ou por acusações equivocadas, onde inocentes são acusados de crimes que não cometeram, deixando os verdadeiros culpados à solta.

As razões da ineficiência na solução dos homicídios são conhecidas: Delegacias sucateadas, péssimas condições de trabalho para a polícia civil, falta de estrutura da perícia (polícia técnica), número de policiais civis muito abaixo da demanda, tudo decorrente da falta de investimento por parte do poder público há décadas.

O Policiamento ostensivo realizado pela PM é insuficiente e não previne o cometimento dos crimes, mas o que gera a explosão da criminalidade certamente é a impunidade, pelos motivos já expostos.


“Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”
Rui Barbosa




Gustavo Dacal – Advogado especialista em Ciências Criminais.
25-03-2014


 NÚMEROS DA SEMANA NACIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI


BRASIL: Números preliminares do CNJ.

- CERCA DE 3.300 PROCESSOS COLOCADOS EM PAUTA
- CERCA DE 1.200 JULGADOS.

ALAGOAS:

- Julgamentos Previstos: 92
- Julgamentos Realizados: 76
- Réus: Não informado
- Condenados: 36
- Absolvidos: 40

CAPITAL:

- Julgamentos Previstos:  51
- Julgamentos Realizados:  48
- Réus: 63
- Condenados: 21
- Absolvidos: 42

INTERIOR:

- Julgamentos Previstos:  41
- Julgamentos Realizados: 28
- Réus: 30
- Condenados: 15
- Absolvidos: 15

*Dados oficiais do TJAL divulgados em seu site, www.tjal.jus.br e do CNJ www.cnj.jus.br.



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Maceió: Uma cidade violenta ou um povo violento?




Sou nascido e vivo toda a minha vida em Maceió, nunca morei em outra cidade e posso dizer que conheço muito bem o lugar em que eu vivo.

Maceió como cidade, simbolicamente falando, é uma cidade muito boa de viver, mesmo nos dias atuais eu dificilmente sairia daqui, pois é uma cidade média, de geografia plana, clima estável e o melhor, estamos a poucos quilômetros do paraíso, pois em Maceió em qualquer direção encontramos a mais bela face da natureza a poucos minutos do centro, sejam nossas praias urbanas ou nossa lagoa Mundaú e suas ilhas, de onde podemos ver um por do sol dos mais belos do Brasil.

Foto: Gustavo Dacal.


Viver em uma cidade como Maceió é um privilégio, porém, nos últimos tempos estamos carregando (com certa satisfação, ainda que disfarçada, por alguns) o título de “Cidade mais violenta do Brasil”, algo que vem tirando a paz de muitos e feito a alegria de poucos, sejam criminosos dispostos a lucrar na vida do crime ou ainda, políticos dispostos a lucrar politicamente com o suposto caos instalado, atribuindo a culpa dessa situação a grupos políticos rivais, estes que defendem uma cidade pacifica e que a violência não é assim tão grande quanto dizem.

Apenas quem não lucra com essa guerra de informações antagônicas é a sociedade em geral, tanto aquela, a maioria, que vive na periferia da cidade, sem infraestrutura urbana, sem lazer e transporte de qualidade, sem boas escolas, quanto à minoria que usufrui dos prazeres de viver em Maceió, em seus apartamentos com vista para o mar ou suas mansões em condomínios fechados, contando com todo aparato de segurança que os garanta viver isolados dos bandidos que povoam as ruas da cidade.

Se alguns ganham muito dinheiro com a violência, uns legitimamente, vendendo produtos e métodos que protejam quem pode pagar, outros lucram covardemente com o produto do crime e vendendo a ideia de que são eles a solução para se resolver este problema, os quais não são causadores.

Neste cenário, para entender o que se passa na nossa cidade, devemos fazer um exercício de memória e observação, precisamos conhecer os dois lados da cidade, a orla e sua concentração de renda e a periferia, onde pelo menos 80% dos Maceioenses vivem com muito pouco.

A periferia de Maceió como qualquer periferia brasileira, é um terreno ignorado, historicamente abandonado pelo poder público, lugar que só é lembrado em tempos de campanha política, pois aquele povo representa a grande maioria dos eleitores é a periferia que elege nossos representantes.

Na foto no topo do texto percebe-se a imagem de Maceió divulgada mundialmente e abaixo a imagem das famosas grotas de Maceió, ambiente caótico e violento, onde vive grande parte de nossa população. 

Pesquisa no Google imagens: grota maceió


Não é segredo nenhum que nossa população é ignorante, sendo o Maceioense médio um cidadão de pouco estudo, porém, a ignorância do nosso povo não só se restringe a quem não tem acesso à educação particular, pois a elite Alagoana é uma classe formada por grandes imbecis que se acham espertos.

A chamada opinião pública Alagoana costuma ter opiniões burras, limitadas, facilmente formadas a partir de bordões e ditos populares que nem sempre condizem com a realidade, mas se tornam verdades incontestáveis.

Nossa “elite” foi formada à base da violência, pois não é a toa que Alagoas é conhecida nacionalmente como terra de matador, pois nosso Estado foi forjado à base da peixeira e da bala.

Curioso notar que os dois primeiros presidentes brasileiros foram Alagoanos, militares que chegaram ao poder a base do sangue alheio, tivemos um primeiro presidente eleito pelo povo após mais de 20 anos de ditadura, sendo ele o primeiro que sofreu Impeachment em razão de corrupção, temos o atual presidente do Senado, um dos homens mais poderosos do Brasil, mas mesmo assim, Alagoas sempre foi um Estado pobre violento e desigual.

Em Alagoas ser amigo de político influente e violento é motivo de orgulho, vaidade, é status social, em Alagoas as histórias dos crimes políticos, de pistolagem do passado são contadas com satisfação por boa parte da população, incluindo pobres e principalmente ricos, amigos do poder.

Nas Alagoas muita gente entende que só se dá bem quem está pertinho do poder, e para se ter poder em Alagoas é necessário ser temido, e quanto mais temido e violento, mais essas pessoas são idolatradas.
Tudo isso, o retrato de Alagoas pode ser observado em sua capital, balneário dos que derramam sangue todos os dias, mesmo sem sujar as próprias, mãos, pois lembramos, aqui é a terra da pistolagem, do crime de mando.

Aqui em Alagoas bandido rico é homenageado, bandido pobre é linchado, vítima rica é tragédia, vítima pobre é estatística.

Tenho ouvido todos os dias pessoas se perguntando: Porque tanta violência em Maceió?
Escuto a tese dogmática de que “se fosse nos tempos do Coronel Amaral...” ouço discursos repetidos, como que combinados, que trazem a solução para todos os nossos problemas: “Extermina esses bandidos tudinho que o problema ta resolvido”, simples assim, resolvemos o problema da violência impondo mais violência.

Em Alagoas sempre se matou muito, mas as mortes aconteciam em razão de disputas de terra, política, brigas em bares e festas, e enquanto eram assim, a população aceitava e sentia-se segura, mas hoje, as mortes ocorrem diariamente em razão do tráfico de drogas nas periferias e nos latrocínios onde pessoas de bem e empresários são assassinados na zona nobre da cidade em troca de carros, bicicletas e algumas centenas de reais, ou muitas vezes, por bagatelas.

A antiga violência era glamourizada, quase que como um Western brasileiro, onde os heróis eram os  igualmente bandidos “Coronéis” e “Doutores” matadores de gente, mas, garantidores da paz social.
Nos dias de hoje, a violência passou a incomodar ao cidadão da classe média, pois agora o vilão vem do submundo das periferias, “gente selvagem e desumana que nos rouba e mata cidadãos de bem” e esses seres, segundo o pensamento dominante Maceioense, merecem ser exterminados.

Quase ninguém para e pensa de onde vieram esses bandidos: será que são membros de facções criminosas do eixo Rio São Paulo? Será que são frutos do péssimo trabalho do Governador do Estado? Será que esses bandidos são seres demoníacos que invadiram nossa cidade? As teorias são muitas, porém, rasas.

Esses bandidos são filhos da nossa cidade, da nossa cultura violenta e excludente, esses bandidos perigosos e que não tem nada a perder são filhos de mães solteiras, filhos das ruas, filhos do descaso, filhos da falta de educação e valores morais, filhos da ausência de cultura, filhos da falta de lazer de qualidade. São filhos e alunos de escolas fétidas e degradadas com professores que passam fome ou da escola da rua que ensina que eles nunca irão morar de frente pro mar e ter carrão off Road (mesmo que apenas para o asfalto) , eles são as crianças de ontem jogadas nas ruas que hoje são adultos que não tem nada a perder, essas pessoas são frutos de um consumismo exagerado e ostentação social em que os bens materiais e status social refletem a sua importância na sociedade Maceioense, agora esses seres revoltados querem pegar um pouco daquilo que na visão deles, na cultura das ruas, os foi tirado.

Não se interprete isso como justificativa para o crime, não entendo dessa forma, mas vejo como uma relação de causa e efeito que na cultura do criminoso alagoano, justifica e legitima sua conduta criminosa.

Em Alagoas a cultura é de que rico não vai preso, que fica impune, afinal, quantos homicídios sem solução nossa história contabiliza? Mesmo aqueles crimes em que a população sabia quem era o autor, esses permaneceram impunes, o que causou a sensação geral de que o crime compensa, pois os que se deram bem são bandidos, porém, ricos.

Todos os anos temos alguns crimes de repercussão, que pelo fato das vítimas serem pessoas reconhecidas como cidadão de bem geram um desconforto social, uma revolta, e que podemos perceber que o ciclo se renova, tendo aquele clamor inicial, com as tradicionais “caminhadas pela paz”, movimentos inúteis que servem apenas para acalantar o coração sofrido dos familiares das vítimas, porém, não surtem efeito prático algum, de forma que continuamos nossa escalada de mortes, muitas delas sem solução ou com soluções fabricadas para dar uma resposta aos opositores.

Uma das inúmeras "Caminhadas pela Paz". Google imagens.


O fato é que nosso estado, nossa cidade sempre foi violenta, isso faz parte da nossa cultura, infelizmente e agora, pelo fato de Maceió ter acelerado seu crescimento populacional, de forma desordenada e irresponsável, hoje a violência antes tímida, agora emergiu e ameaça engolir a todos.

Mesmo diante do marketing negativo de "Cidade mais violenta do Brasil" Maceió revive uma explosão do turismo, cada vez mais pessoas vem passar férias e alguns acabam ficando por aqui, criando um verdadeiro paradoxo, pois se fosse tão ruim, porque tanta gente quer vir para aqui?

Depois de tudo isso, alguém pode perguntar: Você continua gostando de morar em Maceió?

Sim, amo minha cidade e não troco ela por nada!

Gustavo Dacal, 
Advogado e Maceioense.