quarta-feira, 29 de junho de 2011

A HIPOCRISIA DOS CRIMES MIDIÁTICOS

 Recentemente os Alagoanos vêm acompanhando alguns crimes de repercussão envolvendo normalmente, pessoas de maior poder aquisitivo ou da classe média, de forma que estes delitos são relatados pela mídia jornalística e acompanhados pela população como uma verdadeira novela da vida real.
No âmbito artístico, um filão bastante explorado há décadas nas novelas brasileiras é o referente a homicídios de pessoas importantes na trama fictícia, onde achar “o assassino” é uma missão cercada de mistério e emoções e seus desdobramentos e reviravoltas prendem a atenção dos espectadores até os últimos capítulos da novela.
Na vida real não vem sendo diferente, seja em âmbito nacional ou em terras Alagoanas, os chamados Crimes de Repercussão ou Crimes Midiáticos estão cada vez mais presentes nos bate-papos e discussões em todos os níveis da sociedade, onde cada um prolata sua sentença, condenando ou absolvendo as pessoas apontadas como suspeitos dos crimes.
As notícias envolvendo estes crimes normalmente vêm acompanhadas da frase: “Um crime que chocou a sociedade”.
O que seria um crime que choca a sociedade?
Todos os dias pessoas são assassinadas em Maceió e em todo o Estado de Alagoas, muitos desses crimes são bárbaros, de extrema violência, praticados contra crianças, idosos, mulheres, crimes passionais, relacionados ao tráfico de drogas, brigas de vizinhos, envolvendo os mais variados motivos dos mais graves aos mais banais, porém, apenas em alguns poucos crimes a mídia jornalística dá a devida atenção e cobertura.
É justamente a mídia que escolhe quais crimes “chocam a sociedade”, pois só choca aquele crime que envolve pessoas conhecidas no meio social ou provenientes das classes mais abastadas, de ordem que as vítimas de crimes tão ou mais violentos, quando são pessoas pobres, da periferia, não recebem o mesmo tratamento dos órgãos de imprensa, e o mais grave, não recebem a devida atenção das autoridades policiais e judiciais.
Tive a oportunidade de participar de um julgamento como defensor, de um crime que considero entre os mais bárbaros e cruéis de minha vida profissional, em que uma criança de 9 anos de idade foi brutalmente esfaqueada por um homem que residia em sua casa, recebendo cerca de 40 facadas, ficando com fraturas expostas decorrentes da violência dos golpes e com suas vísceras à mostra.
Este homicídio brutal foi praticado na frente de sua mãe, parentes e amigos, por um psicopata acolhido pela mãe da criança em sua casa, uma humilde residência na periferia de Maceió, de forma que indago: Alguém se lembra desse crime?
A resposta certamente é negativa, pois apenas três pessoas acompanhavam o julgamento, dois estagiários de direito e um segurança do magistrado que presidiu o Júri, nem mesmo a família da menor compareceu, não pude ver também nenhum órgão da imprensa, nem pessoas de camisas brancas pedindo justiça e paz, muito menos uma notinha de final de página em qualquer jornal relatando este crime que em tese, chocaria a sociedade.
O motivo parece óbvio: a vítima era pobre e negra, moradora da periferia, e seu algoz igualmente pobre e negro, um homem à margem da sociedade, que só foi julgado porque fui designado pelo magistrado como Defensor Dativo, ou seja, nomeado para fazer sua defesa, o que nos leva a certeza de que nossa sociedade é hipócrita e escolhe a dedo os crimes que a chocam.
As mais sérias consequências desses chamados Crimes Midiáticos, é a contaminação das autoridades públicas e o julgamento precipitado da própria sociedade.
Um fato concreto é o de que um crime de repercussão sempre tem uma atenção maior da polícia e do judiciário, resultando em investigações mais elaboradas e processos instruídos com um rigor diferenciado dos demais, levando a graves consequências, desde prisões tão midiáticas quanto os crimes em si, até a condenações sem provas capazes de levar alguém à prisão, apenas influenciados pela pressão social.
O processo penal para os crimes midiáticos é um processo “diferenciado”, onde o tratamento dado ao fato midiático é completamente inverso aos demais fatos corriqueiros na nossa sociedade, sociedade esta que passa por um momento de instabilidade social, com elevadas taxas de criminalidade e graves desigualdades sociais.
Normalmente os acusados por crimes desta natureza são expostos na TV, nos jornais e na internet como “os culpados” pelo crime que chocou a sociedade, estas pessoas tem suas vidas devassadas, sua imagem retratada de forma constrangedora, não recebem direito a uma defesa social, pois são verdadeiros inimigos da sociedade, retratados assim pela mídia, mesmo que de forma sutil.
A nossa constituição prega a igualdade, bem como nosso processo penal em tese, deve ser igualitário, oferecendo o mesmo tratamento para pessoas de qualquer classe social, raça, credo, etc...
A condenação social muitas vezes trás efeitos mais danosos que a própria condenação criminal, pois independente do resultado do processo, estas pessoas já foram condenadas pela sociedade em que vive, recebendo uma marca que nunca se apaga, são taxados de bandidos, mesmo sem um julgamento justo.
Sabemos que os crimes dolosos contra a vida são de competência do Tribunal do Júri, a mais democrática instituição judicial, onde a própria sociedade se reveste de Juiz, condenando ou absolvendo seus semelhantes, porém, esta instituição é a mais atingida pelo equivocado “julgamento midiático” em razão justamente de que seus Juízes de fato são membros da mesma sociedade, normalmente contaminados pelo apressado e impiedoso julgamento antecipado da mídia.
Devemos refletir sobre o verdadeiro papel da mídia jornalística nestes crimes ditos de repercussão e mais importante ainda, devemos evitar o julgamento antecipado e a execração pública de pessoas que ainda não foram julgadas, existindo sempre a possibilidade de que estas pessoas podem ser inocentes, pois a Justiça deve ser feita de forma imparcial, sem paixões e influências externas, onde uma condenação criminal, que gera graves conseqüências para o condenado, deve se pautar unicamente nas provas contidas nos autos e não na opinião pública que esta sujeita a injustiças.

Gustavo Dacal – 20/06/11

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